Ele foi um dos vjs mais bacanas da MTV, na época em que o vj(vídeo jokey) precisava saber sobre música e, não, desfilar nas passarelas ou dar conselhos sobre sexo para os telespectadores da emissora. Depois, comandou um programa de música e cultura pop, na TV Cultura de São Paulo – o Musikaos. E agora, além de comandar o Gasômetro, um ótimo programa de sons alternativos, na Atlântida FM, em Florianópolis, acaba de finalizar o documentário definitivo sobre a história do movimento punk no Brasil. Todo esse currículo pertence a Gastão Moreira.
Reunindo 200 horas de material em vídeo, 77 entrevistas, 2000 imagens escaneadas, ao longo de quatro anos destinados à edição e finalização, ele deu um belo ponta pé, na verdade uma Botinada(é esse o título do documentário), para que todos possam relembrar ou conhecer mais a fundo como todo o barulho do punk rock tomou conta do país do carnaval. A tarefa já começou, literalmente, punk no processo de busca das principais fontes, segundo Gastão.
Sem “desistir do coturno”, no entanto, o diretor e produtor seguiu firme nesse registro sobre os quase 30 anos do gênero, no Brasil. E descobriu que uma dos primeiros representantes dessa facção surgiu em Belo Horizonte – a Banda do Lixo. Mesmo longe da bomba relógio que se formava em São Paulo pronta pra detonar o movimento punk e espalhar seus fragmentos cortantes por várias outras regiões, a formação mineira deixou seus dejetos no caminho.
Após a sujeira provocada pelos mineiros, que arremessavam lixo sobre o público, em seus shows, vieram as primeiras “botinadas” da paulicéia revoltada. E com seus shows na periferia, a rixa entre os punks da capital e do ABC, os programas de rádio, como o de Kid Vinil, todas as bandas que saíam dos porões e garagens, e as gravações dos primeiros discos do estilo, entre eles, a coletânea Grito Suburbano, São Paulo acabou por concentrar toda a anarquia da gênese punk brasileira.
No longo trabalho de pesquisa ele conseguiu capturar ainda imagens raríssimas e detalhes essenciais desta história, como as que mostram as primeiras apresentações dos Condutores de Cadáver, Restos de Nada e de evento antológicos, como o Festival Começo Do Fim Do Mundo, que merece um capítulo inteiro dedicado a ele. Botinada resgata berros nervosos “contra o sistema”, justamente, num momento em que “o sistema” parece estar mais podre do que nunca.
Entrevista com GASTÃO MOREIRA, diretor e produtor, do dvd e cd BOTINADA:1) Qual foi o maior desafio, a parte mais
punk de toda a produção do vídeo documentário? Reunir todo o material já produzido em vídeo sobre o assunto, produzir o novo material ou realizar as entrevistas?
G.M.>> Localizar os punks foi como participar de uma gincana repleta de pistas falsas. E recolher fotos e jornais também fez jus a uma boa novela mexicana. Estava tudo espalhado por aí.2) Você me pediu uma força pra conseguir algum atalho que o levasse até a Banda do Lixo, que teria sido uma das primeiras do punk rock brasileiro, correto? Existe alguma ligação da Banda do Lixo, com as de São Paulo e outras regiões brasileiras. Ou foi mais um caso de “ovelha desgarrada”?
G.M.>> Acho que a banda do lixo foi uma ‘ovelha desgarrada’, mas repercutiu muito no meio punk de SP. Pena que eles nunca gravaram nada!3) Por que você deixou, por exemplo, o capítulo sobre o punk brasiliense para os extras? É por julgar que ele foi menor ou menos importante que o todo o movimento formado em São Paulo? Passou um pouco por esse tipo de julgamento ou não?
G.M.>> Chegamos à conclusão que foi o movimento punk de SP que causou o estardalhaço. No exterior nunca chegou nada do Aborto Elétrico, mas sim Olho Seco, Inocentes. Para o resto do mundo foi o punk paulista que existiu. Brasília repercutiu depois, para o pop rock brasileiro.4) O que mais o surpreendeu, durante todo o processo de produção(algum relato, em especial, ter conseguido alguma cena rara ou captar algo que nem sonhava conseguir)?
G.M.>> Achar aquele cólera na tv tupi, nunca exibido. Me senti o Indiana Jones.5) Você acredita que foi mesmo a mídia (principalmente, tomando como base a série de depoimentos presente no .doc sobre aquela matéria do Fantástico), que acabou com o movimento punk, no Brasil? Afinal, o País continua produzindo todo o tipo de injustiça, desigualdade e tudo que sempre serviu como matéria-prima e fonte de inspiração para o punk rock, certo?
G.M.>> O movimento punk se retraiu , nunca acabou. E sem dúvida a mídia foi alarmista em relação aos punks e causou uma rejeição em todos setores da sociedade.6) O que sobrou da primeira geração do punk rock brasileiro? Apenas a parte mais estética(suja, agressiva, com letras de protesto) do som ou nem isso?
G.M.>> Sobrou o mercado independente, as bandas de garagem, a insatisfação, a insubordinação e, principalmente, o ‘faça você mesmo’.7) Você acha que a nova geração do punk rock brasileira(Blind Pigs, Forgotten Boys, Carbona, Zumbis do Espaço) já renderiam um novo documentário?
G.M.>> Acho que sim, mas eu vou partir para o heavy metal brasuca.8) Existe algo mais punk do que ter que sobreviver no Brasil, apenas com um salário mínimo ou, em alguns casos, sem nem um salário no bolso?
G.M.>> Por isso Chico Buarque considerou o Brasil como vanguarda do punk. Miséria gera revolta e revolta é a especialidade dos punks!9) Daria uma Botinada certeira, em alguém do Congresso, se tivesse essa chance?
G.M.>> Adoraria dar uma tortada em toda máfia congressista. Eles desperdiçam o Condão que tem nas mãos de trazer benefícios para população.